
Nasci numa família católica que me brindou uma educação sã e um exemplo admirável. Os meus pais foram sempre pessoas moralmente exemplares e impulsionaram-me a receber uma formação católica. Cresci numa pequena aldeia da Toscana, gozando de uma infância feliz e despreocupada.
Após receber a Confirmação, integrei-me em atividades da Ação Católica, onde permaneci até depois dos trinta anos, a organizar acampamentos, peregrinações, e a animar grupos de adolescentes e jovens.
Era como se vivesse uma vida de dia e outra de noite
Depois do liceu, entrei na universidade e aí comecei a descobrir o mundo em toda a sua amplitude e diversidade, coisa desconhecida para mim, um miúdo da aldeia. A vida universitária pode ser muito estimulante – às vezes até demasiado – e, de facto, ampliei os meus círculos de amigos e conhecidos.

Participei em grupos de representação estudantil e em muitas outras atividades, algumas mais ou menos académicas. Digo “mais ou menos” porque, entre tantas propostas educativas e de desenvolvimento pessoal, sempre se esconde algum risco inesperado. Assim aconteceu que, nos primeiros anos, o tempo dedicado ao estudo foi escasso. Pelo contrário, dediquei muitas horas a todo o tipo de atividades.
Toco viola desde os 15 anos, o que sempre me apaixonou. Fiz voluntariado desde os 17, joguei basquetebol na equipa da minha terra entre os 7 e os 25. Além disso, praticava natação, atletismo, futsal. Sempre me atraíram as línguas, o conhecimento de outras culturas, o encontro com novas pessoas e experiências.
Em toda esta grande rede de interesses e diversões, tive a oportunidade de viver muitas experiências. Infelizmente, nem todas foram positivas nem edificantes: festas, amigos, concertos…
As frequentes viagens brindavam-me a ocasião para transgredir as regras, para pôr o pé no acelerador à procura do prazer e das emoções fortes.
Foram anos muito intensos, os da universidade, também porque, ao mesmo tempo, nunca deixei de assistir à Missa dominical, participava em peregrinações e encontros de oração, e colaborava na organização diocesana da Ação Católica, onde até tinha funções de responsabilidade.
Claro que aquilo que mais sofria era o estudo e tudo isto era possível graças à energia própria daqueles anos (hoje tenho 39), e ao entusiasmo por descobrir o mundo e descobrir-me a mim mesmo.
Dentro de mim havia uma grande mistura de bons princípios, embora nunca verdadeiramente aprofundados. Queria o meu bem e o dos outros, mas também desejava gozar dos prazeres da vida e queria que tudo isso fosse na maior medida possível. Era como se vivesse uma vida de dia e outra de noite, sem deixar nada por experimentar.
Lembro-me de que muitas vezes, apesar de voltar muito tarde a casa ao sábado, e de dormir poucas horas, ía à Missa. Podia acontecer qualquer coisa, mas não podia deixar de ir à Missa. Era como um cartão que tinha que introduzir a qualquer custo.
A certa altura apercebi-me de que não andava bem. Compreendi que devia haver uma maneira melhor de fazer as coisas. Tinha fé, sim, mas não a vivia plenamente. Lembro-me de que um amigo, com quem partilhei grande parte do meu caminho de fé, me fez pensar que o aborto nunca era aceitável, quando eu estava convencido que em certos casos era.
Nessa altura acendeu-se qualquer coisa em mim, que se tornou, desde então, um verdadeiro paradigma: havia coisas que se deviam assumir ou não se assumir de um modo absoluto e radical.
Então comprometi-me a terminar os meus estudos e a tirar deles o maior aproveitamento possível. Comecei a trabalhar como empregado de mesa e a dar explicações de matemática e inglês para me sustentar.
Depois da licenciatura, comecei o mestrado e ganhei duas bolsas que me levaram primeiro seis meses a Amberes (Bélgica) e, no ano seguinte, outros seis meses à Cidade do México.
Foram experiências importantes, intensas, que me tocaram intelectual e sentimentalmente. No México apanhei uma forte ferida afetiva com consequências para muitos anos.
Com os olhos de hoje, vejo que foi uma grande batalha que combati para cumprir o meu dever como estudante no estrangeiro, sem me perder nas muitíssimas ocasiões de desenfreio, tentando fazer prevalecer a minha parte luminosa sobre a obscura.
Nesses anos, até obter o mestrado com a nota máxima, tomei muito mais consciência de mim mesmo, do mundo e do bem e do mal que o povoam. O meu comportamento tanto exterior como interior, era de contraste e conflito, mas mesmo assim tentava fazer o bem, estar perto de Deus, ou, pelo menos, voltar a Ele para Lhe pedir perdão apesar das frequentes quedas.
Comecei a trabalhar como rececionista num hotel e ao fim de um ano decidi abrir uma pequena empresa com outros sócios, no setor da iluminação LED, da automatização e da poupança energética.
Isto exigiu de mim um grande compromisso, grandes esforços e riscos elevados. Comecei com grande entusiasmo, mas depressa aquilo converteu-se num torvelinho de dificuldades e desilusões.
Aconteceu até a morte por leucemia de um dos sócios com quem eu tinha um vínculo muito estreito. A doença e em particular o cancro também entraram na minha família.
Este período foi para mim fonte de muitíssimo stress físico e psíquico. Foi uma época muito obscura, marcada por um ambiente profissional que me colocava constantemente em situações críticas, enquanto eu tentava descarregar em comportamentos tóxicos, tanto para mim como para os outros.
É verdade que já tinha começado um caminho de conversão sério, mas a minha vida noturna continuava e ainda não tinha tocado no fundo. Não conseguia dormir, tinha emagrecido e vivia tudo de uma forma profundamente negativa.
Fui-me afastando da Ação Católica, passei algum tempo com a Comunhão e Libertação. Depois aproximei-me do ambiente da Missa no rito antigo (Vetus Ordo), que me ajudou profundamente a viver a liturgia e os sacramentos de uma maneira mais séria e comprometida.
Mas sobretudo, permitiu-me aprofundar no aspeto doutrinal da fé: as verdades e princípios que professamos. Foi um passo fundamental na minha vida porque acentuou o caráter volitivo e exigente da fé, e também assentou as bases racionais, sólidas, sobre as quais se apoiava a minha adesão a ela.
O grande passo chegou quando toquei o fundo. Encontrava-me numa profunda crise profissional e pessoal: sozinho, derrotado, sem conseguir dormir, cada vez mais agressivo com os outros e comigo mesmo.
Até então a minha relação com Deus era de troca: eu cumpria e Ele premiava. Tinha visitado muitos santuários – Lurdes, Terra Santa, Montenegro… –, mas Deus ocupava um segundo plano e o protagonista era sempre eu. Tudo girava em torno do meu esforço e do meu mérito.
Em 2018 encontrei um bom trabalho que me deu estabilidade e me levou a pensar seriamente em formar uma família, com plena consciência das dificuldades que isso implica hoje para um católico.
E chegaram os anos do COVID, que me causaram muito sofrimento e amargura pela forma como muitas pessoas reagiam: medo, egoísmo e frieza. Vivia com grande stress e sem um rumo claro.
Em 2021 fiz uma peregrinação ao Monte Ahos com uns amigos. A sacralidade daquele lugar impressionou-me profundamente, até ao ponto de fazer cambalear brevemente a minha fé. Em setembro fui a Lourdes e rezei com fervor para encontrar um diretor espiritual. Um mês depois uma religiosa levou-me a conhecer um sacerdote do Instituto e por fim encontrei esse guia.

Em junho de 2022 consagrei-me à Virgem Maria como leigo no Movimento da Família do Coração Imaculado de Maria. O discernimento continuava, com dificuldades, mas também com firmeza e em outubro de 2024 deixei oficialmente o trabalho.
O discernimento continua. Julgo que nunca acabamos de nos conhecer a nós mesmos nem a Deus. Estou em Roma graças à Providencia, vivendo num instituto religioso e formando-me na Universidade Pontifícia da Santa Cruz.
Gostaria de exprimir a minha gratidão a todas aquelas pessoas que encontrei no caminho e que literalmente me salvaram. A Virgem conduzia-me sempre a Jesus. Um agradecimento especial para os benfeitores, instrumentos da Providência na formação de todos nós, Servos do Coração Imaculado de Maria. Que Deus vos abençoe sempre!
a vida de dia